Tá puxado! É isso que nos vem à cabeça toda vez que temos acesso ao noticiário do dia. Violência crescendo e desvios de verbas públicas sendo descobertos a todo momento. Verbas estas que deveriam servir à educação, à saúde, à segurança, à assistência social. O que passa pelos nossos olhos e pelo nosso cotidiano é uma degradação do ser humano, pelo poder, pelo dinheiro, por tudo o que ele não leva daqui. Sim, porque sairemos da mesma forma que chegamos, a não ser com o que evoluímos como pessoa, a bagagem pessoal de cada um. No mais, nada é levado. Quanto engano, quanta ganância desnecessária.
Fiz esta introdução para dizer o quanto faz falta o investimento em educação de qualidade e uma vida digna. Estávamos no auditório do Centro de Atendimento Sócio Educativo, o Case Santa Maria, aguardando a plateia para a qual o músico Diego Dias falaria e tocaria seu acordeon. Quando começaram a entrar na sala, nos chamou a atenção o perfil daqueles garotos. Rostos e olhares infantis, recém saídos de uma infância que muitos não tiveram, que ficou perdida talvez pela realidade de vida que os cerca, talvez pela falta da família, talvez pela falta da escola. Nos entristecemos. Em cada olhar era possível ver a criança perdida, e assim ficamos um bom tempo até todos entrarem.
Não sorrimos, uma angústia, uma impotência, uma tristeza, porque sabemos que a violência crescente tem nome, tem história, tem, acima de tudo, o descaso que vem de toda uma conjuntura. É só puxar o fio da meada para entender.
Começou o evento, todos prestando a atenção, um silêncio, uma admiração. Diego contou sua história até chegar no seu projeto The Beatles no Acordeon, que está levando a Liverpool na próxima semana. Tocou alguns clássicos da banda britânica, e claro, algumas do cancioneiro gaúcho. Os meninos ficaram encantados com a música, porque a música conversa com todos sem barreiras.
Mas, aí, um garoto da última fila levanta o braço e pergunta se ele poderia tocar no acordeon uma música do Renato Russo. Para tudo! Renato Russo é um ícone da música brasileira, com composições jamais esquecidas, que deixou este mundo há 22 anos. O menino não tinha mais do que 17 anos. De onde aquele adolescente, cumprindo uma medida sócio-educativa, que normalmente são provenientes de famílias de baixa renda, muitos em situação de vulnerabilidade social, conhecia Renato Russo? Pensamos assim porque não é a primeira vez que estamos ali. E isso nos chamou a atenção. A arte sempre transforma vidas.
Acabou a música, fomos conversar. A resposta nos encheu de esperança. Porque todo mundo tem seu dia de errar, uns mais, outros menos. Mas todos precisamos ter direito a nos redimir e encontrar um novo caminho ou retomar o que tínhamos planejado antes de pegar a curva errada da estrada. A resposta foi simples e curta: "cresci ouvindo Renato Russo e Cazuza!". Muitas vezes, pensamos como a Cora Coralina, mas ainda bem que, raramente, nos levamos a sério, como ela dizia, porque é preciso ter "mais esperança nos olhos do que tristeza nos ombros".
Vão surgir momentos que nos mostram a importância de acreditar, de enxergar na multidão as pessoas. De saber que todos nós podemos acertar o caminho e que, muitas vezes, uma mão, um apoio, um abraço, um olhar diferente é fundamental. "Ter bondade é ter coragem" de não dar às costas, mas de dar a mão e fazer um presente e um futuro diferente para eles e para nós. A gente precisa. E é o próprio Renato Russo, ídolo daquele menino, que nos falou e cantou tantas vezes, e que continua a nos pedir, que "é preciso amar as pessoas como se não houvesse amanhã, porque se você parar para pensar, na verdade não há".